sábado, 5 de março de 2011

A massacrante felicidade dos outros

A massacrante felicidade dos outros...




Há no ar um certo queixume sem razões muito claras.
Converso com mulheres que estão entre os 40 e 60 anos, todas com profissão,
marido, filhos, saúde, e, ainda assim, elas trazem dentro delas um
não-sei-o-quê perturbador,

algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem.
De onde vem isso?
Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio
Cícero, uma música que dizia: "Eu espero/ acontecimentos/ só que quando
anoitece/ é festa

no outro apartamento".
Passei minha adolescência com a mesma sensação de que algo muito animado
estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite.
É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido
de ser feliz como os outros são - ou aparentam ser.
Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama
do vizinho...
As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é
infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias.
Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas
angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas
fraquezas... Então, fica parecendo

que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando, na verdade,
a festa lá fora não está tão animada assim!
Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde
coisíssima nenhuma.
Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também
motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se
refugiar no
escuro
raramente são divulgados.
Prá consumo externo, todos são belos, sexy, lúcidos, íntegros, ricos,
sedutores, enfim, campeões em tudo!
Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia - e olha
que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de
revistas que

há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta: 'Nesta era de exaltação de
celebridades - reais e inventadas - fica difícil mesmo achar que a vida da
gente tem graça.'
Mas tem.
Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e
recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia..
Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando
junto a todos os produtos dos patrocinadores?
Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de
modelo exige?
Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de
casa?
Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só
você está sentada no sofá pintando as unhas do pé?
Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista.
As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento...

(Martha Medeiros)

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