sábado, 26 de fevereiro de 2011

A lenda do rouxinol

     A lenda do Rouxinol

Conta uma antiga lenda chinesa que certo dia o Imperador, passeando pelos
jardins do palácio, ouviu cantar um rouxinol. E era tão lindo o seu
canto, que
as cores pareciam tornar-se mais vivas e o mundo mais belo.

Encantado, determinou que o pássaro fosse capturado e levado ao palácio,
para
que pudesse ouvi-lo cantar em todas as horas do dia; e que os mais hábeis
artesãos recebessem os metais mais preciosos e as gemas mais raras, para
que
pudessem construir a mais rica gaiola que já se viu neste mundo.

Assim se fez. E ao pássaro extraordinário foi reservado um local de
honra no
palácio, onde a esmerada iluminação fazia refulgir todo o esplendor da
magnífica
gaiola.

Entretanto, o rouxinol definhava a cada dia. As suas penas, antes
brilhantes e
vistosas, tornaram-se opacas e nunca mais se ouviu o seu canto. Em vão,
ordenou
o Imperador que lhe fossem trazidos os mais atraentes e saborosos
petiscos, que
com as próprias mãos ofertava ao pássaro amado.

Um dia, o rouxinol fugiu. E nem todos os emissários do império, enviados
pela
China inteira, foram capazes de encontrá-lo novamente.

Então a tristeza dominou o Imperador, minando as suas forças. E em pouco
tempo
viu-se o poderoso regente preso ao leito, dominado por misteriosa e
persistente
doença, contra a qual de nada adiantavam os remédios receitados pelos
maiores
médicos do mundo, que para curá-lo foram chamados.

E veio uma madrugada em que, em meio ao delírio da febre, julgou o
Imperador ver
ao pé de seu leito o rouxinol. Queixou-se, desvairado:

- Ingrato, eis que te dei tudo de mim! Dei-te a gaiola mais rica que jamais
existiu, o melhor lugar do palácio e até mesmo os melhores petiscos do
mundo,
com as minhas próprias mãos! Eu te amava e mesmo assim me abandonaste!

Respondeu-lhe o rouxinol:

- Dizes que me amavas... e mesmo assim era mais importante a tua
vaidade. Para
que todos pudessem ver e ouvir o pássaro maravilhoso que possuías, me
encerraste
em uma gaiola, ao teu lado, privando-me de tudo que eu mesmo amava.

Julgas, acaso, que a gaiola mais rica possa substituir a beleza e a
imensidão do
céu? Ou que os esplendores do palácio me sejam mais agradáveis que voar
livre
entre as flores, vendo a sua beleza e respirando o seu aroma, sentindo o
calor
do sol e o orvalho fresco da manhã?

Certo é que me alimentaste com as tuas mãos e que para mim procuraste os
petiscos que melhores julgavas. Mas como podes acreditar que me fossem mais
saborosos que os alimentos por mim mesmo escolhidos e por meu próprio bico
colhidos?

Porém, não me cabe julgar-te. Sei que é assim entre os homens; o que
chamais
amor não é senão a satisfação das vossas vontades. Em nome do que dizeis
sentir,
buscais acorrentar a vós aquele que jurais amar; e não acreditais que
alguém vos
ame, a menos que se curve a vossos desejos, esquecendo as suas próprias
necessidades. O que chamais "dor de amor" é, na verdade, o vosso egoísmo
contrariado.

Deixa-me, apenas, mostrar-te o que é o amor. Porque, embora os
emissários que
enviaste para capturar-me não me tenham encontrado, eu jamais me afastei
de ti;
escondi-me em um arbusto do jardim, de onde às vezes podia ver-te, sem
que me
visses. E renunciei ao canto, que me denunciaria, para desfrutar da
liberdade.

Entretanto retorno, agora que precisas de mim. E apenas te peço que não
tentes
prender-me, ou o amor se perderia na revolta. É certo que não estarei
contigo
todo o tempo que quiseres, mas hás de ouvir-me sempre que me for possível.
Deixa-me cantar para ti porque te amo, não porque assim o desejas!

Raiava o dia. E o Imperador, já melhor da febre que o castigara, julgou
ouvir um
som maravilhoso que se espalhava pelo quarto, trazendo de volta a
alegria e as
cores da vida. Abriu os olhos para a luz do amanhecer, como se os
abrisse para a
esperança.

No parapeito da janela, cantando como nunca, estava o rouxinol

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