segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A linha mágica

A LINHA MÁGICA

Era uma vez uma viúva que tinha um filho chamado Pedro. O menino era
forte e saudável, mas não gostava de ir a escola e passava o tempo todo
sonhando acordado.
- Pedro, com o que você está sonhando a uma hora destas? perguntava-lhe
a professora.
- Estava pensando no que serei quando crescer - respondia ele.
- Seja paciente. Há muito tempo para pensar nisso. Depois de crescido,
nem tudo é divertimento, sabe ? - dizia ela.
Mas Pedro tinha dificuldades para apreciar qualquer coisa que estivesse
fazendo no momento, e ansiava sempre pela próxima. No inverno, ansiava
pelo retorno do verão; e no verão, sonhava com passeios de esqui e
trenó, e com as fogueiras acesas durante o inverno.
Na escola, ansiava pelo fim do dia, quando poderia voltar para casa; e
nas noites de domingo, suspirava dizendo:
- Se as férias chegassem logo !
O que mais o entretinha era brincar com a amiga Lise. Era companheira
tão boa quanto qualquer menino, e a ansiedade de Pedro não a afetava,
ela não se ofendia.

- Quando crescer, vou casar-me com ela, dizia Pedro consigo mesmo.

Costumava perder-se em caminhadas pela floresta, sonhando com o futuro.
Às vezes, deitava-se ao sol sobre o chão macio, com as mãos postas sob
a cabeça, e ficava olhando o céu através das copas altas das árvores.

Uma tarde quente, quando estava quase caindo no sono, ouviu alguém
chamando por ele. Abriu os olhos e sentou-se. Viu uma mulher idosa em
pé a sua frente. Ela trazia na mão uma bola prateada, da qual pendia
uma linha de seda dourada.
- Olhe o que tenho aqui, Pedro - disse ela, oferecendo-lhe o objeto.
- O que é isso ? - perguntou, curioso, tocando a fina linha dourada.
- é a linha da sua vida - retrucou a mulher. - não toque nela e o tempo
passará normalmente. Mas se desejar que o tempo ande mais rápido, basta
dar um leve puxão na linha e uma hora passará como se fosse um segundo.
- Mas devo avisá-lo: uma vez que a linha tenha sido puxada, não poderá
ser colocada de volta dentro da bola. Ela desaparecerá como uma nuvem
de fumaça. A bola é sua. Mas se aceitar meu presente, não conte para
ninguém; senão, morrerá no mesmo dia. Agora diga, quer ficar com ela?

Pedro tomou-lhe das mãos o presente, satisfeito. Era exatamente o que
queria. Examinou-a. Era leve e sólida, feita de uma peca só. Havia
apenas um furo de onde saia a linha brilhante.

O menino colocou-a no bolso e foi correndo para casa. Lá chegando,
depois de certificar-se da ausência da mãe, examinou-a outra vez. A
linha parecia sair lentamente de dentro da bola, tão devagar que era
difícil perceber o movimento a olho nu. Sentiu vontade de dar-lhe um
rápido puxão, mas não teve coragem. Ainda não.

No dia seguinte na escola, Pedro imaginava o que fazer com sua linha
mágica.
A professora o repreendeu por não se concentrar nos deveres.
- Se ao menos, pensou ele, fosse a hora de ir para casa! Tateou a bola
prateada no bolso. Se desse apenas um pequeno puxão, logo o dia
chegaria ao fim. Cuidadosamente, pegou a linha e puxou. De repente, a
professora mandou que todos arrumassem suas coisas e fossem embora,
organizadamente.

Pedro ficou maravilhado. Correu sem parar até chegar em casa. Como a
vida seria fácil agora! Todos seus problemas haviam terminado. Dali em
diante, passou a puxar a linha, só um pouco, todos os dias.
Entretanto, logo apercebeu-se que era tolice puxar a linha apenas um
pouco todos os dias. Se desse um puxão mais forte, o período escolar
estaria concluído de uma vez. Ora, poderia aprender uma profissão e
casar-se com Lise.

Naquela noite, então, deu um forte puxão na linha, e acordou na manhã
seguinte como aprendiz de um carpinteiro da cidade. Pedro adorou sua
nova vida, subindo em telhados e andaimes, erguendo e colocando a
marteladas enormes vigas que ainda exalavam o perfume da floresta. Mas
às vezes, quando o dia do pagamento demorava a chegar, dava um pequeno
puxão na linha e logo a semana terminava, já era a noite de sexta-feira
e ele tinha dinheiro no bolso.

Lise também mudara-se para a cidade e morava com a tia, que lhe
ensinava os afazeres do lar. Pedro começou a ficar impaciente acerca do
dia em que se casariam. Era difícil viver tão perto e tão longe dela,
ao mesmo tempo.
Perguntou-lhe, então, quando poderiam se casar.
- No próximo ano - disse ela. - Eu já terei aprendido a ser uma boa
esposa.

Pedro tocou com os dedos a bola prateada no bolso.
- Ora, o tempo vai passar bem rápido - disse, com muita certeza.

Naquela noite, não conseguiu dormir. Passou o tempo todo agitado,
virando de um lado para outro na cama. Tirou a bola mágica que estava
debaixo do travesseiro. Hesitou um instante; logo a impaciência o
dominou, e ele puxou a linha dourada. Pela manhã, descobriu que o ano
já havia passado e que Lise concordara afinal com o casamento. Pedro
sentiu-se realmente feliz. Mas antes que o casamento pudesse realizar-se,
recebeu uma carta com aspecto de documento oficial. Abriu-a, trêmulo, e
leu a noticia de que deveria apresentar-se ao quartel do exército na
semana seguinte para servir por dois anos. Mostrou-a, desesperado, para
Lise.
- Ora - disse ela -, não ha o que temer, basta-nos esperar. Mas o tempo
passará rápido, você vai ver. Há tanto o que preparar para nossa vida a
dois !

Pedro sorriu com galhardia, mas sabia que dois anos durariam uma
eternidade para passar.
Quando já se acostumara a vida no quartel, entretanto, começou a achar
que não era tão ruim assim. Gostava de estar com os outros rapazes, e as
tarefas não eram tão árduas a principio. Lembrou-se da mulher
aconselhando-o a usar a linha mágica com sabedoria e evitou usá-la por
algum tempo. Mas logo tornou a sentir-se irrequieto. A vida no exército
o entediava com tarefas de rotina e rígida disciplina. Começou a puxar a
linha para acelerar o andamento da semana a fim de que chegasse logo o
domingo, ou o dia da sua folga.

E assim se passaram os dois anos, como se fosse um sonho. Terminado o
serviço militar, Pedro decidiu não mais puxar a linha, exceto por uma
necessidade absoluta.
Afinal, era a melhor época da sua vida, conforme todos lhe diziam. Não
queria que acabasse tão rápido assim. Mas ele deu um ou dois pequenos
puxões na linha, só para antecipar um pouco o dia do casamento. Tinha
muita vontade de contar para Lise seu segredo; mas sabia que se
contasse, morreria.

No dia do casamento, todos estavam felizes, inclusive Pedro. Ele mal
podia esperar para mostrar-lhe a casa que construíra para ela.

Durante a festa, lançou um rápido olhar para a mãe. Percebeu, pela
primeira vez, que o cabelo dela estava ficando grisalho. Envelhecera
rapidamente. Pedro sentiu uma pontada de culpa por ter puxado a linha
com tanta freqüência.

Dali em diante, seria muito mais parcimonioso com seu uso, e só a
puxaria se fosse estritamente necessário.

Alguns meses mais tarde, Lise anunciou que estava esperando um filho.
Pedro ficou entusiasmadíssimo, e mal podia esperar. Quando o bebê
nasceu, ele achou que não iria querer mais nada na vida. Mas sempre que
o bebê adoecia ou passava uma noite em claro chorando, ele puxava a
linha um pouquinho para que o bebê tornasse a ficar saudável e alegre.

Os tempos andavam difíceis. Os negócios iam mal e chegara ao poder um
governo que mantinha o povo sob forte arrocho e pesados impostos, e
não tolerava oposição. Quem quer que fosse tido como agitador era preso
sem julgamento, e um simples boato bastava para se condenar um homem.

Pedro sempre fora conhecido por dizer o que pensava, e logo foi preso e
jogado numa cadeia. Por sorte, trazia a bola mágica consigo e deu um
forte puxão na linha. As paredes da prisão se dissolveram diante dos
seus olhos e os inimigos foram arremessados à distância numa enorme
explosão. Era a guerra que se insinuava, mas que logo acabou, como uma
tempestade de verão, deixando o rastro de uma paz exaurida.

Pedro viu-se de volta ao lar com a família. Mas era agora um homem de
meia-idade. Durante algum tempo, a vida correu sem percalços, e Pedro
sentia-se relativamente satisfeito.

Um dia, olhou para a bola mágica e surpreendeu-se ao ver que a linha
passara da cor dourada para a prateada. Foi olhar-se no espelho. Seu
cabelo começava a ficar grisalho e seu rosto apresentava rugas onde
nem se podia imaginá-las.

Sentiu um medo súbito e decidiu usar a linha com mais cuidado ainda do
que antes.

Lise dera-lhe outros filhos e ele parecia feliz como chefe da família
que crescia. Seu modo imponente de ser fazia as pessoas pensarem que
ele era algum tipo de déspota benevolente.

Possuía um ar de autoridade como se tivesse nas mãos o destino de todos.

Mantinha a bola mágica bem escondida, resguardada dos olhos curiosos dos
filhos, sabendo que se alguém a descobrisse, seria fatal.

Cada vez tinha mais filhos, de modo que a casa foi ficando muito cheia
de gente. Precisava amplia-la, mas não contava com o dinheiro necessário
para a obra. Tinha outras preocupações, também. A mãe estava ficando
idosa e parecia mais cansada com o passar dos dias. não adiantava puxar
a linha da bola magica, pois isto só aceleraria a chegada da morte para
ela.

De repente, ela faleceu, e Pedro, parado diante do túmulo, pensou como a
vida passara tão rápido, mesmo sem fazer uso da linha mágica.

Uma noite, deitado na cama, sem conseguir dormir, pensando nas suas
preocupações, achou que a vida seria bem melhor se todos os filhos já
estivessem crescidos e com carreiras encaminhadas. Deu um fortíssimo
puxão na linha, e acordou no dia seguinte vendo que os filhos já não
estavam mais em casa, pois tinham arranjado empregos em diferentes
cantos do pais, e que ele e a mulher estavam sós.

Seu cabelo estava quase todo branco e doíam-lhe as costas e as pernas
quando subia uma escada ou os braços quando levantava uma viga mais
pesada.

Lise também envelhecera, e estava quase sempre doente. Ele não agüentava
vê-la sofrer, de tal forma que lançava mão da linha mágica cada vez mais
freqüentemente. Mas bastava ser resolvido um problema, e já outro surgia
em seu lugar.

Pensou que talvez a vida melhorasse se ele se aposentasse. Assim, não
teria que continuar subindo nos edifícios em obras, sujeito a lufadas de
vento, e poderia cuidar de Lise sempre que ela adoecesse. O problema era
a falta de dinheiro suficiente para sobreviver.

Pegou a bola mágica, então, e ficou olhando. Para seu espanto viu que a
linha não era mais prateada, mas cinza, e perdera o brilho. Decidiu ir
para a floresta dar um passeio e pensar melhor em tudo aquilo.

Já fazia muito tempo que não ia àquela parte da floresta. Os pequenos
arbustos haviam crescido, transformando-se em arvores frondosas, e foi
difícil encontrar o caminho que costumava percorrer. Acabou chegando a
um banco no meio de uma clareira.

Sentou-se para descansar e caiu em sono leve. Foi despertado por uma
voz que chamava-o pelo nome:
"Pedro ! Pedro !" Abriu os olhos e viu a mulher que encontrara havia
tantos anos e que lhe dera a bola prateada com a linha dourada mágica.
Aparentava a mesma idade que tinha no dia em questão, exatamente igual.

Ela sorriu para ele. - E então, Pedro, sua vida foi boa ? - perguntou.
- Não estou bem certo - disse ele. - Sua bola mágica é maravilhosa.
Jamais tive que suportar qualquer sofrimento ou esperar por qualquer
coisa em minha vida. Mas tudo foi tão rápido. Sinto como se não tivesse
tido tempo de apreender tudo que se passou comigo; nem as coisas boas,
nem as ruins. E agora falta tão pouco tempo ! Não ouso mais puxar a
linha, pois isto só anteciparia minha morte. Acho que seu presente não
me trouxe sorte.
- Mas que falta de gratidão ! - disse a mulher - Como você gostaria que
as coisas fossem diferentes ?
- Talvez se você tivesse me dado uma outra bola, que eu pudesse puxar a
linha para fora e para dentro também. Talvez, então, eu pudesse reviver
as coisas ruins.

A mulher riu-se. - Está pedindo muito ! Você acha que Deus nos permite
viver nossas vidas mais de uma vez ? Mas posso conceder-lhe um último
desejo, seu tolo exigente.
- Qual ? - perguntou ele.
- Escolha - disse ela. Pedro pensou bastante.

Depois de um bom tempo, disse:
- Eu gostaria de tornar a viver minha vida, como se fosse a primeira vez,
mas sem sua bola mágica. Assim poderei experimentar as coisas ruins da
mesma forma que as boas sem encurtar sua duração, e pelo menos minha
vida não passara tão rápido e não perderão sentido como um devaneio.
- Assim seja - disse a mulher. - Devolva-me a bola.

Ela esticou a mão e Pedro entregou-lhe a bola prateada. Em seguida, ele
se recostou e fechou os olhos, exausto. Quando acordou, estava na cama.
Sua jovem mãe se debruçava sobre ele, tentando acorda-lo carinhosamente.
- Acorde, Pedro. Não vá chegar atrasado na escola. Você estava dormindo
como uma pedra !

Ele olhou para ela, surpreso e aliviado.
- Tive um sonho horrível, mãe. Sonhei que estava velho e doente e que
minha vida passara como num piscar de olhos sem que eu sequer tivesse
algo para contar. Nem ao menos algumas lembranças.

A mãe riu-se e fez que não com a cabeça.
- Isso nunca vai acontecer disse ela. As lembranças são algo que todos
temos, mesmo quando velhos. Agora, ande logo, vá se vestir. A Lise esta
esperando por você, não deixe que se atrase por sua causa.

A caminho da escola em companhia da amiga, ele observou que estavam em
pleno verão e que fazia uma linda manhã, uma daquelas em que era ótimo
estar vivendo. Em poucos minutos, estariam encontrando os amigos e
colegas, e mesmo a perspectiva de enfrentar algumas aulas não parecia
tão ruim assim. Na verdade, ele mal podia esperar.

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